O inimigo secreto do teletrabalho.
O remote work é um modelo de trabalho que tem sido progressivamente implementado nas empresas e com fortes benefícios para os colaboradores. No entanto, existem algumas dificuldades que podem ser contornadas através de autodisciplina. Pedro Alves, Outsystems Developer, explica-nos quais são e como podes combatê-las através d’”O inimigo secreto do teletrabalho. Sabe qual é?” – um artigo de opinião publicado na Human Resources Portugal e que pode ser consultado de seguida.
Não é que haja apenas um, são seguramente muitos. Mas não os vou enumerar todos, até porque não seria uma tarefa simples, vou apenas mencionar aquele que me ocorre como sendo bastante relevante.
Estou a falar da falta de autodisciplina, aquele inimigo insidioso que se apodera de nós quando temos um plano definido e silenciosamente acabamos por o boicotar, divergindo o tempo e a atenção para outra coisa qualquer. Estou a falar daquela dificuldade em seguir aquela voz que dentro de nós diz: “está na hora, desliga” ou “respondes a esse email amanhã de manhã, afinal quem é que o vai ler às 23h da noite?”.
Pode não ser assim tão evidente que grande parte do sucesso na adaptação à realidade do teletrabalho possa passar por se ser autodisciplinado, mas acredito que este é um daqueles casos em que algo aparentemente pequeno pode fazer toda a diferença.
Vamos olhar para algumas situações onde a autodisciplina pode fazer a diferença:
- Capacidade de desligar dos temas do trabalho
- Lidar com os outros no mundo virtual
- Manter a produtividade com um elevado nível de eficiência
- Manter o equilíbrio mental/emocional
Capacidade de desligar dos temas do trabalho – Sim, é só uma questão de autodisciplina. É uma espécie de higiene mental. Começa com pequenos hábitos como ter um telemóvel pessoal e outro para o trabalho e desligar o do trabalho fora do horário laboral. Ou então não ter o Teams ou o Outlook no telemóvel pessoal a menos que seja extremamente necessário. Não ler emails de trabalho fora de horas. Manter a rotina de começar e terminar a horas certas, e atenção que ser flexível nos horários quando necessário é muito diferente de não se ter uma regra estabelecida para quando começar e quando parar. Resolver bugs numa insónia das 3h da manhã pode ser uma história engraçada de contar, mas quando se torna num hábito pode facilmente levar a situações de sobrecarga e esgotamento.
Lidar com os outros no mundo virtual – Na relação com os outros, seja presencial ou virtual há princípios que se mantém. O nosso ego continua a ser o maior responsável por criar caos e nos arrastar para situações difíceis. Isto é particularmente notório quando estamos a interagir com fotos ou iniciais de nomes no ecrã e só temos a voz da outra pessoa para nos guiar na interacção. No mundo virtual perdemos acesso à comunicação não verbal da outra pessoa, não sabemos para onde está a olhar, se está a sorrir ou à beira de um colapso emocional. Nestas circunstâncias torna-se muito tentador preencher o vazio de informação com os nossos próprios padrões emocionais. Por exemplo uma pessoa um pouco insegura vai encontrar mais críticas onde elas podem não existir. Neste sentido, sermos autodisciplinados em relação ao modo como reagimos às situações pode evitar tirarmos conclusões precipitadas e potencialmente erradas. Evitam-se muitos conflitos simplesmente por dar um passo atrás e analisar calmamente o que aconteceu. Há sempre mais do que uma perspetiva para a mesma situação.
Manter a produtividade com um elevado nível de eficiência – Se ser eficiente é produzir o máximo possível com o mínimo de esforço necessário, então diria que ter um sentido crítico muito forte em relação ao que fazemos é crucial para se ser eficiente. É necessária uma honestidade brutal para connosco próprios no momento de analisarmos o nosso trabalho do dia-a-dia e olhar para cada tarefa, cada utilização de tempo, e perceber se realmente estamos a produzir algo de valor ou se por outro lado nos estamos apenas a enganar a nós próprios. Autodisciplina é mais uma vez a chave. Cada coisa em seu momento e respeitar o tempo de trabalho é na mesma proporção respeitar o tempo de descanso. Ser produtivo e conseguir alcançar as metas esperadas com o mínimo de esforço significa menor desgaste e mais tempo livre.
Manter o equilíbrio mental/emocional – Digamos que este ponto é em parte um resultado dos pontos anteriores. Não é propriamente algo pelo qual se trabalhe diretamente, mas é algo que surge como consequência de se manter uma certa higiene mental e emocional na nossa vida. Estar de “corpo e alma” naquilo que se faz é estar focado e presente. É estar atento a cada acto nosso e ao feedback que nos chega constantemente do mundo “lá fora”. Significa colocar mais qualidade naquilo que se faz porque cada ato é intencional. Basta ter em mente que grande parte das vezes um bug de software é a criação de alguém que estava desatento, mas que pode consumir demasiadas horas a ser resolvido. Manter o equilíbrio mental e emocional é um exercício constante, implica autodisciplina e o esforço sustentado para treinar a mente a ser focada e a permanecer concentrada na tarefa que tem à sua frente, mantendo sempre presente os objectivos que pretendemos alcançar. Estar perdido não é não saber onde se está, é sim não saber para onde se quer ir.
Se nada é só bom nem nada é só mau, então o teletrabalho também “é apenas o que é”. Tal como o “antigo” trabalho (aquele que tínhamos antes de ser “tele”) também estava longe de ser só bom. Todos conhecemos pessoas que não se adaptaram ao teletrabalho ou que simplesmente estão desejosas por voltar ao escritório, mas também de certeza que se conseguem lembrar de algum colega de trabalho que estava constantemente a falar mal de tudo e de todos, sempre insatisfeito com o que quer que acontecesse. O que tínhamos antes não era perfeito, o que temos agora também não, mas são novos tempos e novos desafios, e se forem entusiastas do teletrabalho como eu, então esta é apenas mais uma oportunidade para continuar a crescer e a desenvolver novas competências e seguramente que a autodisciplina é uma delas. Não só nunca fez mal a ninguém como há quem diga que é um dos ingredientes mágicos para o sucesso.